sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O Caso Brasileiro_1


Assessoria de imprensa: o caso brasileiro

A atuação de jornalistas em divulgação institucional no Brasil não é recente. Ainda na primeira metade do século XX, era comum a presença de jornalistas em gabinetes de divulgação de órgãos públicos, geralmente chamados setores de relações públicas, distribuindo textos para a imprensa, muitas vezes num jogo em que o profissional ganhava destaque no emprego público por ter seu nome presente nos jornais e facilitava o trânsito das matérias do próprio órgão nas redações.

Já relatos a respeito da implantação da atividade de assessoria na forma similar à atual dão conta que sua origem está relacionada à instalação de indústrias multinacionais automobilísticas, ao final dos anos 50. Desde então, a evolução em termos de seu uso como técnica de informação à sociedade e instrumento para formação de imagem das organizações perante esta mesma sociedade e como mercado de trabalho para os jornalistas fez com que atingisse um estágio que talvez seja único no mundo.

No Estado do Ceará, por exemplo, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais informa (Fenaj, 1997, p. 60) que 60% dos jornalistas do Estado trabalham em assessoria de imprensa. Este percentual varia conforme o Estado, e mesmo que os dados possam não ser confiáveis, é possível acreditar que, no mínimo, 50% dos jornalistas brasileiros atuem em assessorias de algum tipo.
Apesar desta evolução, até o fim da década de 60, a hoje chamada assessoria de imprensa era um campo de atuação profissional pouco importante e que gerava certo desprezo pelos jornalistas. A atividade era exercida por pessoas de áreas diversas, geralmente ainda em gabinetes de relações públicas, uma profissão que tinha a atividade de administração do fluxo de informação entre organização e imprensa incluída em sua legislação profissional. [1]

Na época era natural jornalistas informarem que trabalhavam em relações públicas. Ao mesmo tempo, era comum atuarem em veículos de comunicação e acumular um ou mais empregos em órgãos públicos. A jornada de trabalho, neste caso, muitas vezes não era cumprida. Rossi (1986, p. 45) conta que muitas repartições públicas contratavam jornalistas com salários baixos e preferencialmente com atuação nas redações e, ainda, que cobrissem justamente aquela repartição. [2]

O objetivo era ganhar o comprometimento dos jornalistas para obter matérias favoráveis. Este panorama, entretanto, não significa a ausência de jornalistas cumprindo papel competente em assessorias. São vários os casos de profissionais de importante presença em divulgação ou relações públicas. A prematura regulamentação da atividade de relações públicas, ainda na década de 60, tornaria ainda mais natural a consolidação do termo assessoria de imprensa para indicar os departamentos nas empresas públicas e privadas que contavam com jornalistas.

No âmbito da agenda dos veículos de comunicação, o interesse pelas organizações públicas e privadas parece ter aumentado com a implantação do regime militar. A censura fizera com que os assuntos políticos fossem esvaziados. Como conseqüência, temas econômicos passaram a ser o escoadouro natural nas redações, embora houvesse um esforço muito grande para evitar “promover” o nome de empresas. Naquela época, ainda assim, uma empresa somente seria citada nos jornais se “figurasse no cadastro dos anunciantes do jornal” (Erbolato, 1988, p. 113).
A década de 1960 termina com poucos jornalistas atuando como assessores de imprensa [3] na forma como hoje conhecemos a atividade. Até então era comum o que Miguel Jorge (1992, p. 13) descreve: “gente sempre educada, fina, com imensa dedicação, mas completamente despreparada para a função. As empresas, muitas vezes, pegavam um bom funcionário administrativo, que tinha um ‘jeitinho’ para relações públicas e colocavam-no para tratar com a imprensa”.

O difícil relacionamento de órgãos governamentais com os jornalistas a partir de 1968, quando foi instalada a censura, ajudou a consolidar a imagem de que assessores de imprensa agiam como bloqueadores do fluxo de informação, como exigiam os novos donos do poder, processo similar ao que ocorreu mais fortemente com a área de relações públicas. Na maior parte do período em que o país viveu sob o regime militar, as assessorias de imprensa tinham como principal objetivo o controle da informação, com a produção em larga escala de releases e declarações, evitando-se o acesso da imprensa à organização [4].

Veio daí a fama da assessoria de imprensa ser porta-voz do autoritarismo ou dos grandes grupos econômicos. Do lado do governo, principalmente desde a Era Vargas, existia um sistema institucionalizado de cooptação de jornalistas que tornava fácil a confusão de papéis, fruto do dualismo de trabalhar para o governo como funcionário público e cobrir o governo como repórter.

Em determinado momento do Regime Militar, metade dos repórteres credenciados no Congresso eram funcionários da Câmara ou Senado (Quintão, 1993, p. 230). [5] Ao mesmo tempo, enquanto funcionário público, “nas repartições públicas o jornalista, em especial aquele que militava na imprensa, era um proscrito. Ninguém lhe confiava nada, o que, por outro lado, deixava-o livre também de suas obrigações de trabalho” (Quintão, 1993, p. 219).

No fim da década de 1970, com a aproximação do ocaso do regime militar, começa a acabar, também, a fase em que era mais importante ter bom trânsito junto às autoridades do que se preocupar com comunicação (Nori, 1990, p. 70).

O ressurgimento da democracia, da liberdade da imprensa e o prenúncio de maior exigência quanto aos direitos sociais e dos consumidores, faz as empresas perceberem a necessidade de se comunicar diretamente com a sociedade. Elas deixam o amadorismo e começam a buscar profissionais para estabelecer um bom relacionamento com a imprensa. E o momento que simboliza e, de certa maneira dá início a esta nova etapa, foi a greve dos jornalistas ocorrida em São Paulo, em 1979, que, mal-sucedida, gerou a demissão de vários jornalistas. [6]

Na busca de novas opções de trabalho encontraram aberto o mercado nas empresas privadas, que estavam à procura de profissionais capazes não apenas de encontrar trânsito para suas informações nas redações, mas também para elaborar produtos de comunicação empresarial como jornais, revistas e vídeos de qualidade profissional.

Campoi (1984, p. 113) afirma que a presença de profissionais dispensados da grande imprensa contribuiu para “maior profissionalização dessas atividades e melhor entrosamento entre essas empresas e os grandes jornais”. Também ressalta o fato do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo ter feito controle para impedir que a atividade não fosse exercida por pessoas fora da área profissional (na disputa pelo promissor mercado com os profissionais de relações públicas), o que possibilitou que a atividade obtivesse maior credibilidade, ao mesmo tempo que significou a extinção do já pouco uso do termo relações públicas para o jornalista que trabalhasse em divulgação.

Além de alternativa ao mercado cada vez mais restrito das redações, muitos jornalistas também passaram a optar pelas assessorias de imprensa devido às condições mais tranqüilas de trabalho, sem fechamentos, menor estresse, sem correrias, com horário fixo de trabalho. Outra vantagem passou a ser o salário, em geral, bem maior do que o oferecido nas redações. [7]

Com tudo isso, a partir da década de 1980, o mercado das assessorias passou a ser encarado como uma opção de emprego importante e natural para os profissionais de veículos de comunicação. Isso tudo faz com que as assessorias de imprensa não apenas comecem a se desenvolver de fato, como se consolidem “seja pela profissionalização que ocorre nas suas atividades, seja pela implantação de políticas de relacionamento com os veículos [...] ou ainda pela superação de algumas incompreensões que só persistem em setores pouco esclarecidos”, como notava Bueno (1989, p. 94).

Estas incompreensões tinham relação com a postura autoritária, praticamente de censura explícita, que caracterizou boa parte das assessorias de imprensa nas décadas de 1960 e 1970.
O interesse dos jornalistas por um novo mercado de trabalho, com as vantagens de ser mais tranqüilo e melhor remunerado coincidiu com a necessidade sentida pelas empresas de estimular e profissionalizar o relacionamento com a imprensa. E o processo poderia ser previsto.

Chaparro (1994, p. 14) diz que "a sociedade organizada tem necessidade vital de se manifestar. São empresas, escolas, igrejas, sindicatos, partidos políticos, grupos culturais, associações de todos os tipos, entidades e pessoas capazes de produzir fatos, atos, falas, bens, serviços e saberes que influenciam na atualidade". A imprensa foi identificada como um grande instrumento para informar e formar uma imagem positiva junto à sociedade e o jornalista como elo fundamental no processo.

O exemplo de algumas empresas, como a Rhodia, [8] mostrou que a postura de organização aberta à sociedade e o investimento em comunicação traziam retorno em visibilidade e poderiam ajudar na consecução dos objetivos empresariais. Na avaliação de Bueno (1985, p. 9), neste período, “a comunicação deixa de ser ‘perfumaria’, ganhando as entranhas da administração pública e privada, e extrapola os limites dos tradicionais ‘jornaizinhos’ internos para assumir o status de um complexo poderoso, intrinsecamente vinculado à chamada estratégia negocial”.

Ao mesmo tempo, nos veículos de comunicação, as assessorias de imprensa passaram gradativamente a serem consideradas fontes importantes de informações e apoio, inclusive porque existiam profissionais com larga experiência em jornalismo ali atuando.
Talvez o principal exemplo desta mudança esteja em 1984, com o trabalho do jornalista Antônio Britto, assessor de imprensa do primeiro presidente civil eleito (mesmo indiretamente) após o golpe militar de 1964. Durante a doença, que levaria o presidente eleito Tancredo Neves à morte antes de assumir, Antônio Britto fornecia informações do governo e facilitava a atuação e acesso dos jornalistas às fontes oficiais, “não como um favor, mas como uma obrigação política” (Rossi, 1986, p. 46).

O avanço da inserção de jornalistas na área de comunicação institucional a partir desse período foi tão grande que se tornou o principal campo de atuação do jornalista no Brasil. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF calculava, já em 1993, que metade dos 25 mil jornalistas brasileiros estavam “direta ou indiretamente relacionados com as assessorias, consultorias e planejamento de comunicação” (Sant’Anna, 1993, p. 2). E, ao contrário do que ocorria antes, quando atuavam em assessorias profissionais com experiência em redações, torna-se cada vez mais comum o jornalista sair da faculdade diretamente para uma assessoria de comunicação. [9]

Paralelamente à assessoria de imprensa, a produção de publicações empresariais (jornais, revistas, boletins editados por empresas não-jornalísticas) passou a ser outro grande campo de atuação dos jornalistas em empresas não-jornalísticas. Criadas no Brasil como instrumento de relações públicas a partir da experiência americana, eram utilizadas por grandes empresas sob o pretexto de divulgar as atividades da organização.

Na realidade, faziam o contraponto ao movimento operário e buscavam anular os efeitos dos veículos de divulgação dos empregados, que haviam surgido nas últimas décadas do século anterior e mostravam-se bastante eficientes em despertar a atenção dos empregados.

Os chamados house-organs [10] surgiam principalmente nos momentos de conflito entre patrões e empregados, mas passam a ser dirigidos ao público externo. Apesar disso eram feitos, na maior parte das vezes, de modo improvisado por funcionários de boa vontade, mas sem experiência no assunto. Tavares (1992) mostra que as publicações jornalísticas empresariais assumiram não apenas o papel informativo, mas a “função auxiliar para atingir objetivos mercadológicos e também de interação”. Isto passou a ocorrer mais claramente, nas grandes empresas, a partir do final da década de 1960.

Como na assessoria de imprensa, as transformações sociais, notadamente a abertura política e o surgimento de um forte movimento sindical, fazem com que as empresas necessitem estabelecer canais mais sofisticados com seus públicos, inclusive empregados. “O jornalismo empresarial tem de diminuir sua lentidão burocrática interna, aprender a ser mais veloz e transformar sua linguagem e artigos em material de genuíno interesse do público-alvo” (Luduvig, 1994, p. 29).

Assim, há investimento em profissionais e na qualidade dos produtos jornalísticos das empresas. Como conseqüência, na década de 1980 também se estabelece a profissionalização em larga escala dos produtos de comunicação empresarial a partir de modelos tradicionais da comunicação de massa (vídeos institucionais e educativos, TV e rádio internos, jornais murais, boletins, revistas).

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