domingo, 18 de outubro de 2009

Análise_Terapia

Terapia em foco

Quando percebemos que não conseguimos mais lidar com nossas dificuldades e que precisamos de ajuda, a saída pode estar na terapia, um caminho surpreendente de autodescoberta

O começo: Freud_E bom para quem_Existe melhor técnica?_A confiança essencial_Fala que eu te esculto_Proximidade_Corpo e mente_O casal , a família_Terapia breve
Uma gota a mais e o copo transborda. A metáfora sobre algo que não conseguimos conter desenha a imagem do que acontece nos momentos em que não damos conta de resolver sozinhos um problema que incomoda bem lá dentro da gente. Ao atingirmos essa situação-limite, a água escorre e nos vemos no impasse de matar, morrer ou de nos fingirmos de mortos. Matar é buscar soluções. Morrer é se deixar aniquilar por ela. Fingir de morto é olhar para o lado, agindo como se a coisa não fosse com você. Eis aí três possibilidades do que cada um de nós, como indivíduos (na mais pura acepção da palavra, aquilo que não se divide), podemos fazer com nossas vidas quando algo não vai bem em nosso íntimo. Tudo é questão de escolha, e essa opção determina como viveremos e quem seremos para nós e para os outros.

Dentro dessas possibilidades, vamos falar da parcela que encara sua verve Bruce Willys em Duro de Matar e parte para o combate. Calma, ninguém vai sair por aí batendo nas pessoas que nos causam problemas, nos decepcionam ou representam o que gostaríamos de ser e não somos. Ir à luta tem um sentido mais pessoal, de mergulhar em uma jornada que nos colocará em confronto com nosso maior desafiante: nós mesmos.
Na batalha, é importante contar com a expertise de um bom navegador que ajude a interpretar as coordenadas do trajeto até o entendimento de por que o copo transbordou. Esse companheiro de jornada estudou o funcionamento da mente humana e seus meandros, e, quem sabe, nos fará chegar ao registro da torneira para evitar um novo transbordo. Assim define-se o terapeuta, palavra que nomeia psicanalistas, psiquiatras, psicoterapeutas e outros profissionais que trabalham com técnicas de autoconhecimento (vale explicar que os termos terapia e terapeuta usados nesta reportagem referem-se a profissionais com formação acadêmica e cursos de especialização em estudos da mente). É com eles que contamos quando não conseguimos evitar que a gota letal cause sofrimento emocional. Ao pedir socorro e nos lançarmos ao desafio de fazer terapia, embarcamos numa viagem ao inconsciente aquele local dentro de nós que guarda o que somos, como nos tornamos o que somos, o que queremos ser e o que podemos ser.

O começo: Freud

Existe ainda muita gente que vê a psicoterapia como tratamento para malucos ou para pessoas sem capacidade de lidar com seus próprios problemas. O ranço é antigo, do tempo em que a subjetividade era malvista pela ciência. Remanescentes desse pensamento acreditam que um antidepressivo como Prozac na mão vale mais que boas palavras. Mas quem aposta na fala como instrumento de expressão sabe que entrar num consultório e se entregar a um momento esta é sua vida com um desconhecido é uma forte ferramenta para tirar o pedregulho do sapato. A verbalização para descrever fatos e estados emocionais ajuda a processá-los e a torná-los palatáveis, afirma o psiquiatra e psicanalista Plínio Montagna. Ao contar o que sente, a pessoa se ouve e amplia a consciência de si própria.

Fonte: Revista Simples

Graças ao médico austríaco Sigmund Freud, que formulou os princípios da psicanálise na década de 1890, hoje sabemos que é possível entender a mente humana e mudar aspectos de nossa conduta que incomodam tanto no relacionamento com os outros quanto conosco mesmos. A partir da descoberta do inconsciente, Freud revelou ao mundo que muitos transtornos mentais não são mero resultado de doenças. Conteúdos guardados em nosso interior, oriundos de sentimentos inconscientes reprimidos na infância por nossos pais, moldam a figura que somos hoje.

É bom para quem?

Tal entendimento garantiu conhecimento não só para o tratamento de doenças psíquicas resultantes de distúrbios do inconsciente, como também para que uma pessoa como eu ou você possa se conhecer melhor e entender por que o calo dói quando pisamos (ou somos pisados) de determinada maneira. O costume é alguém buscar ajuda porque se sente incapaz de resolver seus incômodos e, em raros casos, para se conhecer melhor. Mesmo na primeira situação, é quase inevitável não continuar a terapia, pois conforme se enxerga com mais clareza, mais o paciente quer se aperfeiçoar é como polir uma escultura para que ela fique cada vez mais bela.

No campo das doenças mentais, a psicanálise contribui para humanizar bastante o tratamento. Hoje, uma pessoa esquizofrênica toma medicamentos prescritos por um médico psiquiatra e tem apoio psicoterapêutico. Transtornos alimentares, bipolares, déficit de atenção e depressão, entre outros, precisam do critério médico para concluir o diagnóstico. Às vezes, o limite da avaliação de uma depressão para um transtorno bipolar é tão tênue que só a experiência médica pode detectar a doença, diz o psiquiatra Frederico Navas Demétrio, coordenador do Grupo de Estudos de Doenças Afetivas do Hospital das Clínicas de São Paulo.

O olhar afinado também sinaliza quando tudo pode ser resolvido só com psicoterapia. Muitas vezes, a conversa é mais eficaz que o Prozac. Antidepressivo lançado com estardalhaço em 1986, a tal pílula da felicidade aumenta a serotonina do cérebro, deixando as pessoas mais alegres. Fácil de administrar, até um ginecologista pode receitá-la para aliviar sintomas de distúrbios hormonais. O problema é o mau uso e a auto-enganação (o famoso efeito placebo). O efeito pode ser efêmero: quando tomo, sorrio, quando o efeito passa, entristeço, afirma a psicoterapeuta e professora do Instituto Sedes Sapientiae Maria Helena Mandacarú Guerra.

Existe melhor técnica?

Depois de Freud, um mundo de vastas possibilidades se abriu além da fronteira da doença e hoje existe terapia para todo tipo de paciente. Parece meio amplo? E é. Se considerarmos todos os tratamentos do campo do autoconhecimento, indo do xamanismo à psicanálise, existem mais de 500 modalidades. Mas a maioria não tem embasamento mais científico, no sentido do entendimento da mente humana, afirma o médico psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Psicoterapia, José Toufic Thomé. Levando em conta esse critério, a psicanálise e a psicoterapia praticadas por psicanalistas, psiquiatras ou psicólogos têm melhor embasamento para a análise humana.

Geralmente, a pessoa chega a um terapeuta por indicação de um amigo ou parente. Ela não está interessada na técnica, só precisa de alguém que a ajude a entender o que está acontecendo e para isso não há idade; a necessidade pode surgir em qualquer época da vida. Existem bons profissionais em todas as linhas. Não há uma escola terapêutica de amplitude absoluta. O importante é a empatia paciente-psicoterapeuta e que o profissional tenha boas referências, seja membro de uma associação ou sociedade de classe reconhecida, diz Maria Helena Guerra. Outro componente decisivo apontado por muitos entrevistados desta reportagem é que o bom psicoterapeuta nunca diz o que o paciente deve fazer. Ele auxilia a pessoa a navegar em suas emoções e a se compreender, diz a psicoterapeuta Adriana Dorgan.

A confiança essencial

Uma boa indicação, portanto, é o começo do caminho para se chegar a alguém que tenha tato e técnica para orientar a navegação por águas ora turbulentas, ora cristalinas do inconsciente esse mar que guarda a chave dos nossos mistérios, desde os aceitáveis até os inimagináveis. Fazer terapia é um ato de coragem, porque as descobertas podem ser viscerais, afirma o médico psiquiatra e psicanalista Durval Mazzei Nogueira Filho. Chegar a esse patamar de escarafunchar a ferida com bisturi depende de o paciente querer ir mais além da resolução do problema imediato.
Também é importante estar bem acompanhado. O paciente tem que sentir que o terapeuta está com ele, diz Adriana Dorgan. Quando isso não acontece, é como um carro patinando na lama. Durante anos fiz terapia com a mesma psicóloga, mas quando ela começou a dizer que minhas dúvidas com relação à minha sexualidade eram viagem da minha cabeça, parei a análise. Procurei outro terapeuta e conquistei autonomia para assumir minha homossexualidade, diz Felipe (o nome foi trocado a pedido do entrevistado).

Fala que eu te escuto

Nem todo mundo se dispõe a conversar com o psicanalista três ou quatro vezes na mesma semana, deitar no divã e falar o que lhe vier à mente assim, de chofre. Esse é o molde clássico da sessão de psicanálise elaborado por Freud, que resiste ao tempo e ao bolso de alguns clientes.

O ambiente costuma ser básico: a poltrona do analista e o divã. Nesse cenário quase asséptico, o paciente fala sobre aquilo que pensa, seus incômodos, suas angústias. Nos encontros com o profissional, a idéia é reestruturar e reinterpretar, à luz do que está acontecendo, as distorções do passado que estão presentes no dia-a-dia, diz a psicanalista Anna Verônica Mautner.

A ausência de contato visual no processo de livre associação, como é chamada a técnica de deitar e falar, é fundamental para o sucesso da jornada. Um não controla a reação do outro com o olhar, permitindo ao paciente abandonar a vigilância consciente e se entregar à expressão verbal, afirma a psicanalista Celina Giacomelli. Assim aflora o sintoma daquilo que faz mal. O passo seguinte é compreender o que mantém esse sintoma.

Às vezes, esse processo de deixar fluir o verbo ganha um componente extra, de certo modo emocionante, quando o terapeuta segue a linha criada por Jacques Lacan nos anos de 1930. O psicanalista francês concebeu o tempo lógico, colocando abaixo a regra freudiana de que a sessão teria 50 minutos. O analista literalmente corta o papo na hora em que achar pertinente. As pessoas falam muito, e a fala pode vir disfarçada. O psicanalista interrompe o paciente para que ele se ouça e entenda que precisa deixar de usar álibis, diz Durval Filho. Depois do corte abrupto, o analisado engole seco e vai embora com suas últimas palavras latejando na cabeça no estilo água mole em pedra dura tanto bate até que fura.

Fonte: Revista Vida Simples

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